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Meritocracia


Meritocracia nos sistemas de educação

Maria Alice SETUBAL

*PRESIDENTE DO CENTRO DE
ESTUDOS E PESQUISAS EM EDUCAÇÃO
CULTURA E AÇÃO COMUNITÁRIA,
É MEMBRO DO GRUPO DE TRABALHO
DE EDUCAÇÃO DO MOVIMENTO
NOSSA SÃO PAULO.


A ampliação do debate da educação para diferentes setores da sociedade tem trazido à tona interpretações e contribuições diversas, com o mérito de envolver a sociedade na discussão de quais seriam os caminhos para que possamos alcançar uma educação de qualidade para todos.
Dentre essa análises, a ênfase nos baixos resultados educacionais medidos nas avaliações nacionais tem ocupado maior espaço na mídia, trazendo para o cerne da discussão a responsabilização da escola e dos professores pelos resultados da aprendizagem dos alunos e, como consequência, a implementação de políticas de incentivo e premiação por resultados e pelo cumprimento de metas – a chamada meritocracia.
Como essa é uma questão controversa, é importante termos em conta as diferentes dimensões desse posicionamento.
No Brasil, estamos longe de alcançar um patamar básico para todas as escolas, mesmo que estas pertençam a uma mesma rede.
Um sistema educacional justo, além de garantir bons níveis médios de qualidade, deve também assegurar padrões mínimos de aprendizagem para todos os alunos, independentemente de suas particularidades socioculturais.
Em nosso sistema educacional – marcado por desigualdades de partida -, o risco de um plano de incentivos aumentar o hiato educacional é grande.
O sistema de bonificação a partir de metas pode gerar uma concorrência entre as escolas capaz de reforçar as diferenças entre elas.
As escolas lidam com realidades distintas principalmente se considerarmos as localidades das regiões mais pobres das periferias dos grandes centros urbanos e que atendem a uma clientela de alta vulnerabilidade.
Geralmente, essas escolas têm um corpo docente altamente instável e a própria infraestrutura escolar não oferece condições adequadas para o trabalho dos profissionais da educação.
É importante salientar que o sistema de incentivos – qualquer que seja – diferencia negativamente as escolas, porque provavelmente (a conferir) os professores passarão a procurar e se transferir para as escolas mais bem colocadas nas avaliações, com o objetivo de obter maiores chances de bônus ao final do ano.
Se essa situação vier a se comprovar como verdadeira, as escolas com maiores dificuldades ficarão relegadas, cada vez mais, a um corpo docente instável e com menor preparo, tirando de uma parcela significativa da população condições de acesso a uma educação de qualidade – o que poderá comprometer os nossos indicadores de desenvolvimento e de combater à pobreza.
Obviamente, não quero defender, aqui, o professor despreparado e, principalmente não comprometido com seus alunos.
Minha intenção é colocar as diferentes dimensões de uma questão que me parece central no momento atual do debate educacional brasileiro.
Os resultados do Plano Nacional de Educação que enfatizam o não-comprimento de metas básicas relativas à qualidade do sistema reforçam a importância de se considerar que a gestão da educação tem sentido apenas em função de um projeto pedagógico que organize as atividades de ensino e aprendizagem dentro da própria escola.
Responsabilização implica colocar não apenas o diretor da escola, mas também o professor no centro das políticas educacionais , por meio da valorização da profissão, da capacitação continuada e do suporte didático para o seu trabalho na sala de aula.
Assim a responsabilização tem que ver com os resultados da escola e também com as políticas educacionais da rede que deem suporte aos resultados. Deve ser uma via de mão dupla.
A responsabilização e o sistema de premiação pelo comprimento de metas – quaisquer que sejam – têm de ter como limite e eixo central de implementação as questões de equidade e das desigualdades sociais.
Nesse sentido, é fundamental pensar políticas de ação afirmativa que ofereçam condições efetivas para que as escolas de mais baixo Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb) possam atuar dentro de suas redes em direção à melhoria da qualidade do ensino.
Não existe uma receita única, mas várias propostas norteadas pela equidade já estão em andamento em algumas redes de educação.
Entre elas incentivos para os professores permanecerem na mesma escola, combate ao absenteísmo, respeito ao tempo escolar, programas de reforço escolar, aceleração da aprendizagem, estagiários e professores auxiliares, etc.
É preciso articular essas diferentes experiências com as propostas de premiação e incentivo, de modo que se criem condições de equidade, para não cairmos no grande equívoco de deixar para trás uma parcela significativa
da população, acarretando um alto custo no médio e no longo prazos nas nossas pretensões de desenvolvimento.
O caminho não é simples e exige um esforço de todos, tanto dos governos quanto da sociedade civil e dos pais de alunos, no sentido de buscarmos uma visão de educação mais sistêmica, ajustada ás necessidades de um mundo moderno.
Precisamos construir uma política de educação que leve em conta as questões de gestão e, portanto, de seus mecanismos institucionais, de forma simultânea aos aspectos pedagógicos – em que o professor ocupa um lugar central.
E, finalmente, o esforço nacional pela melhoria da qualidade da educação passa também pela articulação de políticas sociais de forma integrada à escola.

Jornal: O ESTADO DE SÃO PAULO

DE JUNHO DE 2010.



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